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sexta-feira, 5 de agosto de 2011

O FUSCA E O STREAMLINING


Marcelo Castilho (*)
O Fusca há muito tempo deixou de ser um simples artefato industrial e integra a categoria de ícone industrial, tanto no sentido de sucesso comercial mundial como quando visto sob a ótica do design e da engenharia. A influência do streamlining na concepção de design do fusca foi marcante e trouxe um novo significado simbólico para a sociedade alemã da época, ansiosa por símbolos modernistas de progresso e bem estar social. Streamlining era um estilo que refletia não a percepção de realidade mas uma visão de suavidade, ausência de fricção, o futuro da era da máquina.
As ideais modernistas do século 20 se manifestaram de forma diferente nos EUA e Europa, porém o que havia em comum era a percepção da fascinação pela tecnologia e produção industrial. A máquina era vista como a metáfora ideal para os conceitos de velocidade e mobilidade, repetição e ritmo- a massa oposta ao indivíduo. O carro, o avião, o telefone e o rádio foram as invenções tecnológicas da era moderna e também os símbolos ideológicos e visuais do modernismo.
A idéia de um amanhã melhor foi o combustível sócio cultural que movimentou as pranchetas de designers automotivos dos dois lados do atlântico, promovendo a popularização do streamlining como estilo predominante nas décadas de 40 e 50.
Princípios da Aerodinâmica e Hidrodinâmcia sugeriam as formas em gota como ideais para aviões, trens e automóveis, onde a menor resistência possível ao ar era um importante fator para alcançar e manter velocidade. O conceito de forma em gota buscou sua inspiração nos besouros, peixes, besouros e pássaros. A beleza e o esplendor dos dirigíveis como o Hindemburg estimulou ….
O estilo ‘gota’ rompia com o padrão estético vigente onde a expressão de robustez e imponência de capôs de motor em posição elevada e maciça contrastava com as formas arredondadas e suaves da região traseira.
As formas de gota definiram os automóveis dos anos trinta: os veículos eram mais baixos, com as linhas curvas de teto feitas para reduzir a resistência do ar. As partes da carroceria eram unidas em um único gaiola metálica, com superfícies contínuas e suaves lembrando um pássaro em vôo livre.
Norman Bel Geddes, conhecido Designer americano dos anos 30 e 40, popularizou o ‘streamlining’ como um ‘estilo de design’ para as massas através da publicação de ilustrações fantásticas de automóveis e ônibus em forma de gota, trens, barcos, reproduzidas em jornais e revistas de grande circulação.
A associação do estilo com aerodinâmica e velocidade sugeria a crença no progresso tecnológico, mas ao mesmo tempo as formas arredondadas, contínuas e definidas sugeriam também a necessidade por proteção e estabilidade. Acima de tudo, streamlining revelava uma busca e um desejo por ‘controle’.
Apesar das origens do estilo- evolução dos estudos estudos científicos de aerodinâmica- rapidamente passou para o campo emocional do comércio e cultura.
No começo da década de 30, a evolução de estilo dos automóveis era baseada nas pesquisas em aerodinâmica do início do século.
Pioneiros como Camille Jenatzy (1899) e Carlo Castagna (1913) já haviam explorado os formatos ‘projétil’ e ‘gota’, mas o estudo de Paul Jaray Tatra V8 de 1934 foi um dos mais importantes do período. Com seus faróis integrados a carroceria e formato gota, possuía um coeficiente aerodinâmico de apenas 0,36, o equivalente a automóveis dos anos 80.
O Look Streamlining passou a caracterizar o progresso, o futuro e a modernidade tão sonhada e tornou-se influência marcante nas décadas seguintes tanto para veículo populares como para veículo de status.
O Fusca tornou-se um ícone do design mesmo sendo um produto ‘seguidor de tendências’ das soluções streamlining típicas dos anos 30.
Em sua concepção de design, o Fusca não rompeu com os princípios de configuração dos automóveis do início do século: estribos, para lamas saltados e pequena área envidraçada. No entanto, era um veículo moderno em sua construção metálica integrada a plataforma mecânica, no powertrain Boxer refrigerado a ar e no sistema de componentes de fácil montagem viabilizando alta produção em série.
A idéia de um automóvel que representasse para as massas alemãs o ideal de bem estar e progresso nasceu da convergência de interesses de Hitler e Ferdinand Porsche.
Hitler acreditava em um produto de consumo de massa que representasse um contraponto aos típicos automóveis alemães de alto luxo e de construção artesanal, inacessíveis ao típico trabalhador alemão.
Tal veículo, na visão do Fuhrer, deveria conciliar características como assentos para acomodar toda a família, refrigeração a ar para evitar o problema de congelamento da água no inverno, capaz de cruzar as rodovias em uma velocidade ao redor de 100 km/ h e acima de tudo, não custar mais que 1000 marcos alemães.
Ferdinand Porsche, um projetista famoso em projetos de aviões, automóveis de passeio e carros de corrida, já cultivava a idéia de um pequeno automóvel econômico e durável desde o início dos anos 20.
Em Janeiro de 1934, depois de haver desenvolvido alguns veículos experimentais para NSU e Zundapp, sempre com a concepção de produção em massa, Ferdinand Porsche fez uma proposta de construção de um Volkswagen- carro do povo, na língua alemã.. Sua proposta se baseava na ideologia da equanimidade: todos os cidadãos deveriam ter o direito e o acesso aos benefícios da ‘mobilidade’, até então restritos às classes privilegiadas.
Em junho de 1934, Porsche recebia encomenda do governo Alemão para desenvolver um veículo nacional, que “promovesse o ideal do ‘carro para a família’ e estimulasse o bem estar social do Império”
O resultado, após quatro anos de studos e testes, era um produto de construção sólida, aparência econômica, sem os ícones tradicionais de riqueza como o capô alto e alongado e compartimento de passageiros elevado. Mesmo assim, o seu design representava a linguagem dominante do período e estava inteiramente em sintonia com o espírito do seu tempo: a forma de gota ( streamlined shape) simbolizava velocidade, a predominância de diagonais sugeria movimento mesmo estando o veículo imóvel.
Nos anos 50 o Fusca se tornou o símbolo da reconstrução Germânica e viabilizou o sonho de mobilidade da nova classe média urbana.
A sua popularidade tem sido associada a facilidade de manutenção e construção robusta e menos aos princípios de forma e seu significado estético simbólico. A concepção de estilo do Fusca sem dúvida utilizava as mensagens de status e poder dos veículos de maior porte da época e remetia aos símbolos da nobreza já estampados nas carruagens, tais como a ausência ou presença de vidro traseiro de dimensões reduzidas.
A arquitetura interna do Fusca estava subordinada ao formato gota e resultava em limitações quanto a facilidade de entrada e saída, visibilidade e eficiente aproveitamento de espaço . Sob esse ponto de vista o estilo ‘box shape’ típico das décadas de 60 e 70, como o do Fiat Uno, mostrou-se bem mais eficiente
O estilo streamlining de certa forma contradiz a racionalidade implícita no projeto do Fusca, ao se observar a reduzida capacidade do porta malas, o teto baixo em formato descendente, habitáculo estreito com formato ‘naval’- mais largo atrás, mais estreito à frente, uma concessão à expressão simbólica de dinamismo e velocidade.
A confiança cega na tecnologia como um bem absoluto foi a mola propulsora por trás do streamlining. No entanto a força do streamlining estava menos nos aspectos técnicos e mais no vínculo emocional que a visão de futruro trazia nas mentes das década de 30 e 40.
O Fusca representava em essência um misto do ideal de ‘popularização do automóvel’ para as massas alemãs ao mesmo tempo em que trazia em sua essência a mensagem de um futuro próspero e estável.
No entanto, o seu estrondoso sucesso comercial de certa forma se deveu mais aos aspectos de fácil manutenção e robustez e construção simples e menos aos conceitos inovadores no design interno ou de proporções inovadoras.
BIBLIOGRAFIA:
Heimann, Jim, Future Perfect Vintage Futuristic Graphics, Taschen
Gilman, John, Popular Art Deco, Abbe Ville Press
Sachs, Wolfgang For love of the Automobile, University of California Press
DeLorenzo, Matt, The New Beetle, MBI Publishing Company
Icons of Design The 20th Century, Prestel
De Noblet, Industrial Design Reflection of a Century, Flammarion/ APCI
(*) Marcelo Castilho
Designer de Produto pela Universidade Mackenzie-SP, Masters of Arts em Design Automotivo pela Coventry University/Inglaterra. Professor do Curso de Desenho Industrial da PUCPR.

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