Superado por concorrentes mais modernos há mais de uma década, o
veículo ainda é opção barata e valente para o trabalho duro. Em
Cunha (SP), o Fusca resiste como ferramenta de trabalho.
Zé Padre e o filho Rafael, ordenham suas vacas todos os dias. Seu Fusca 1973, perdeu o banco de passageiro para carregar o leite. |
Em Cunha, distante 232
km de São Paulo, o besouro - um de seus diversos apelidos - é figura fácil
pelas ruas. Os números não são oficiais, mas estima-se que existam 3 mil Fuscas
rodando na cidade - um para cada oito habitantes, em média. Ao todo, são cerca
de 25 mil cunhenses. O município é o meio do caminho para três estados - São
Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais - e está incrustado entre a Serra da
Bocaina e a Serra do Mar.
Não é raro encontrar
modelos que tiveram o banco do passageiro retirado. No lugar, vão as compras do
mercado, galões de leite, cachorros, material de construção, entre outros.
"É a enxada do cunhense", resume Hermes Tanajura, organizador do
Fuscunha, evento que homenageia o veículo em janeiro, mesmo mês em que, nesta
sexta-feira, 20, é comemorado o Dia Nacional do Fusca.
Leite. Fala
genuinamente caipira, camisa aberta na altura do peito e uma careca já
avançada, mas devidamente disfarçada por um chapéu. É assim a primeira visão de
José Eduardo Pires, o Zé Padre. O apelido veio de um tio que veio de Portugal
para o Rio de Janeiro, passou para seu pai e chegou a ele. De padre, no
entanto, ele só tem o nome.
Todos os dias, pela
manhã e à tarde, ele ordenha suas cerca de 20 vacas. O filho mais novo, Rafael,
20 anos, ainda o auxilia. Para transportar os dois galões de leite que costuma
encher - de 50 litros cada - ele tirou o banco do passageiro de seu Fusca 1973.
Antes desse, ele estima que outros 10 Fuscas já passaram por suas mãos. O
veículo é a melhor opção para enfrentar a sinuosa ladeira de terra que liga a
estrada ao seu curral. Nos dias de forte chuva, ele amarra correntes aos pneus
para garantir maior tração ao veículo.
Parte do leite
ordenhado é vendida para uma indústria de laticínios da região. A outra é
reservada por ele para a fabricação de queijo. Ele já tem uma clientela fiel do
laticínio e diz que não faz nenhuma divulgação. Com os cerca de R$ 2 mil que
ganha mensalmente, Zé Padre criou 7 filhos.
Como não poderia
deixar de ser, o Fusca é o primeiro carro de muita gente em Cunha. Foi o caso
de Patrícia Cristina de Oliveira, 31, dona de um Fusca 1967, e também de seu
irmão e de seu pai. "Eu tenho uma Saveiro, mas quase não uso. Não gosto de
andar com carro novo", diz. "Achei esse Fusca quase de graça, por R$
2,5 mil, e hoje já me ofereceram 10 mil reais". Proprietária de uma casa
de materiais de construção, ela conta que chegou a carregar latas de tinta em
seu veículo.
Mecânicos. A forte presença de Fuscas também oferece oportunidade de
trabalho para os mecânicos da capital nacional do Fusca. Entre eles, há quem
atenda somente a donos do pequeno Volkswagen.
Um deles é Benedito Aparecido Freire, 59 anos,
dono de um das oficinas mais antigas da cidade. Ele cuida dos Fusquinhas desde
72 e, nos últimos anos, se especializou no trato do veículo.
Nos dias mais movimentados, o também mecânico
Hélio dos Santos Pinto, 59 anos, diz que é possível observar até 20 veículos
esperando conserto em frente à sua oficina. Ele faz coro à fama de inquebrável
do modelo. "Quebrou a correia? Amarra um pedaço de corda!". Ele
também recebe outros carros, mas conta que o movimento maior acaba sendo do
besouro. Na última semana, ele conta, foram oito Fuscas vindos só de Paraty, a
pouco mais de 40 km dali.
Adair Mariano Oliveira, 48, também é outro que tem
sua profissão ligada ao veículo. Há 23 anos, desde que se casou, ele trabalha
como lavador de carros. Já Pedro José de Oliveira, 44, comprou três unidades -
1972, 1973 e 1975 - para fazer as entregas de seu mercadinho. "Tem muita
área rural. E mesmo na cidade, é o carro ideal por causa das ladeiras",
afirma.
Ao longo de 16 anos, Benedito Conceição, O Dito, acrescentou antenas e cortina no modelo 1980. |
Enfeite. Como nas grandes cidades, há também em Cunha quem compre o
veículo pelo puro prazer em cultivar um clássico. Benedito Macedo da Conceição,
46 anos, o Dito, é assistente de pedreiro e praticamente não usa o veículo para
chegar aos locais onde é chamado para trabalhar. A exceção é quando ele precisa
ir para áreas mais afastadas
Há 16 anos, ele comprou um modelo 1980 e, desde
então, tem se dedicado a enfeitá-lo. De sua cabeça surgiu a ideia de acrescentar quatro
antenas molengas e com uma bola na ponta - três na frente e uma atrás. A lista
é engrossada por cortinas de renda para as janelas e por correntes amarradas
embaixo do parachoque.
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